quarta-feira, 20 de maio de 2009

O Pastor e a Estrela

Olhar o céu todas as noites, decifrar linguagens das estrelas, lua, nuvens e ventos era momento de prazer sempre renovado.

Quando se está só, as coisas que nos rodeiam ganham outra importância. Temos tempo para elas, entendemo-las, deixamos que entrem connosco na nossa vida. E à noitinha, no veludo negro do céu, via estrelas lindas, lindas que não sabe por que loucura ouvia falar. Aquele barulho e o tremeluzir ritmavam melodias, conversas, confidencias... E os jogos que faziam? Fugiam para um lado e para o outro, escorregavam sabe-se lá para onde, dançavam... Escondiam-se!

Era então que o pastor desdobrava recordações, passeando pelo Largo da sua Infância com acenos de felicidade... E lembrava-se das histórias com estrelas. Todos tínhamos uma no céu, dizia-se. Boa ou má... Ah! Se um dia descobrisse a sua Estrela!!!

Noite após noite, procurava um sinal, um sussurro... A Lua olhava-o divertida e aguardava serenamente poder assistir ao encontro do pastor e da sua Estrela.

Era nas noites sem sono que o som da flauta subia mais alto no silêncio.

O brilho da minha estrela

Aquece o negro do céu;

Espreito-a pela janela,

Marco encontro: ela e eu.

Sou jovem enamorado

À noite mato a saudade,

Desce no sopro da Estrela

Um sol de Felicidade.

- Pastor, sou a tua Estrela! Pastor, sou a tua Estrela! - ouviu-se.

Era lá possível! Cantigas, são cantigas! Não queria acreditar! Esfregou os ouvidos, os olhos. E ouviu de novo:

- Pastor, sou a tua Estrela!

E tremeluzia rindo em brilho de poeta e paz. O pastor teve receio. Beliscou-se até doer para sentir que estava acordado. E estava mesmo... Porque a Estrela continuava:

- Que linda a tua serenata! Diz-me os teus anseios, mas pensa bem, antes de decidires. Traçado o Caminho da Vontade, partiremos juntos, e não voltaremos atrás. Quando quiseres, chama-me! Sou a tua Estrela.

E afastou-se devagarinho.

Prisioneiro daquela voz que lhe oferecia viagens, deixou fugir as ideias para paraísos sumarentos. Abandonou-se a uma loucura saborosa e teceu aventuras que acariciou com o desejo semeado pela espera. Queria partir, conhecer serranias altas, coroadas de branco...

Numa noite luminosa olhou o céu:

- Estrela, minha Estrela. Sou eu que te chamo! Vem comigo!

O cheiro das lareiras da aldeia entranhava-se no ar e bafos tépidos, conhecidos, aconchegavam e prendiam as gentes. Mas o pastor tinha de seu apenas a solidão e uma vontade que recusava resignação e bolores. Vizinho de um mundo de sonho, partiu com a Estrela mais brilhante. Marcou os caminhos que percorreu com a alegria. Irrequieto e insubmisso, em cada terra, um sonho novo subia-lhe à cabeça e reinventava o gosto de viver. Fascinava-o uma criança, um regato de cantilenas, uma romã aberta... Eram imagens que soldava ao corpo, para construir pilares capazes de exorcizar tristezas, hipocrisias, azedumes.

O pastor tinha escolhido uma Boa Estrela.

Os anos passaram. Os caminhos da montanha rendilhados de branco estavam próximos. No céu, a Estrela brilhava cada vez mais intensamente. Entrava-lhe todas as noites nas palheiras que lhe serviam de abrigo. Desafiava-o feliz para todos os percursos até ao local do seu encantamento. Do alto da Serra, dominaria horizontes mais largos e maior seria o seu prazer franciscano de se emocionar, admirar e acariciar ternamente o que o rodeava.

- Pastor, sou a tua Estrela! Estamos perto. - confidenciava-lhe.

Flautas mágicas cantavam com o sopro do vento. O pastor cansava-se, subia... A Estrela à sua frente, corria, corria, corria em fúria de chegar.

- Tão bonita a Serra!

- Tão bonita a Serra! Ecoavam as vozes voando longe, longe, longe.

Pastor mergulhou o olhar nos rumores e espaços marcados por pedras e lagoas, plantas e bichos a quem ouviria histórias... para contar.

Ali ficaria. Com a Estrela sua companheira, Amiga e conselheira, durante uma vida. Esperavam que a noite descesse para as longas conversas e confidências...

Diz-se que o Rei cioso das maravilhas do seu reino, teve conhecimento desta Amizade. E quis a Estrela. Coleccionador de raridades aspirava possuí-la.

- Dou-te o que pedires. Ofereço-te poder e privilégios que nunca conheceste em troca da tua Estrela.

No rosto do pastor desenhou-se a admiração:

- Não posso dá-la! - elucidou - É a minha Estrela e ficará comigo para sempre. Vossa Majestade pode escolher uma no Céu.

O Rei não acreditava no que ouvia:

- Recusas as riquezas, o bem-estar, poderios? Não sabes o que fazes. Para que te serve uma estrela se não tens mais nada?

- Eu tenho um dom digno de deuses. Conheço meu caminho. Tracei-o com as minhas mãos; povoei a vida com alegrias - e algumas tristezas! - que não posso oferecer, nem trocar, nem esquecer... Fizeram de mim o que sou...

A Estrela ouviu o pastor. Na noite de veludo brilhou com maior fulgor.

Ainda hoje, todas as noites se vê na Serra uma Estrela linda, estranha, diferente de todas as outras. Acompanha o pastor e é sempre... ternamente apaixonada pelos pastores e pela Serra a que deu o nome:

A Serra da Estrela.

2 comentários:

margarida disse...

Tsmbém eu tenho uma estrela na vida e o seu respectivo pó. Chama-se Kika e é um doce e uma inspiração.
Jinho. Magui

Tite disse...

Pó de Estrela,

Agora percebo de onde vem o teu nome mágico. A tua paixão pela Serra da Estrela tem toda a razão de ser.
É só a mais bela Serra do nosso país.

É verdade que a Serra que domina a minha zona de nascimento também é linda e misteriosa - o Marão. É um mar imenso de montanhas.

Mas a Magia não estará apenas e só na Natureza? Essa que para mim é a verdadeira Deusa do Universo.

xi-coração grande como a tua Serra